O Castelo Hunedoara

As marcas de fuligem e a destruição de uma parede do Castelo Hunedoara eram visíveis.  Télek olhava com os olhos semicerrados, contendo a raiva. A parede podia ser reparada, mas os mortos permaneceriam assim.  Murmurou:
– Orfanik!
Orfanik era em parte como ele.  Ambos eram remanescentes de uma era que não existia mais.  Fósseis vivos da era do vapor, Télek porem havia se adaptado.  Tinha nova identidade, seguia os usos e costumes do século 21.  Orfanik nunca se conformara, vivia recluso uma época inexistente.  Um mundo próprio como é comum para os insanos.  Insano e genial, com sua própria ciência e religião, seguia apenas suas próprias leis.  Télek não compreendia porque Orfanik havia reaparecido, nem o motivo das mortes, mas estava decidido a agir.  Os mortos seriam vingados.  Télek subiu em sua motocicleta, corria pelas trilhas pouco usadas, subindo e descendo montanhas.  Lembranças de mais de 120 anos voltavam, muitas coisas nessa região remota ainda permanecem iguais. Quase uma hora depois chegou a uma remota caverna.  Pegou uma lanterna e percorreu os primeiros 50 metros o mais rápido que pôde, parou em frente a uma porta.
Uma porta redonda de madeira e bronze, totalmente coberta por engrenagens e trancas.  Por alguns segundos Télek ficou absorvido pelos mecanismos intricados da estranha porta.  A porta estava aberta, isso não era bom sinal.  Passou pela abertura circular e encontrou uma câmara vazia.  Percorreu o interior da caverna iluminando cada canto com a lanterna.  Todo o interior estava vazio, totalmente limpo.  Apenas a porta permanecia testemunha de que algum dia, alguém estivera naquele local.

A Cidade Sombria

O movimento de caminhões na madrugada irritava prostitutas e traficantes. Essas eram as únicas pessoas nessa região mal freqüentada do centro velho de São Paulo. Uma figura sinistra abriu as grandes portas de um velho armazém, um homem calvo, vestindo roupas estranhas. Com um sotaque difícil de definir ele saudou o motorista: – Por gentileza senhor. Essas caixas precisam ficar no fundo. Eram muitas caixas de madeira, aparentavam muito uso. Os usuários habituais se afastaram, sabendo que o movimento iria afastar os eventuais clientes. Horas depois os caminhões partiram, as velhas portas do armazém se fecharam e o homem em roupas estranhas começou a trabalhar. Seus poucos amigos e seus numerosos inimigos o conhecem como Doktor Orfanik. Seu verdadeiro nome e origem permanecem até hoje com um mistério. Herr Doktor trabalhou a noite toda, abrindo as caixas, instalando e montando aparelhos. A função de alguns dos dispositivos difícil de adivinhar pela aparência, mas na antiga estufa nos fundos está algo facilmente reconhecível. Mesmo pelos vidros sujos pode-se ver claramente o contorno arredondado de um dirigível. Seus planos eram decolar durante a noite, mas o sol já começou a nascer. Observando o céu, Orfanik notou que a cidade estava coberta por uma densa camada de nuvens. Os habitantes de São Paulo olhavam para o dia frio e sinistro e relutavam em sair da cama, porém Doktor Orfanik murmurou em tom baixo: – Perfeito. Graças à nova lubrificação, os painéis do teto da estufa se abriram quase sem nenhum ruído. A nave movida a vapor e sustentada por uma receita exclusiva de hidrogênio e argônio elevou nos céus. As poucas testemunhas no local há muito tempo não confiavam nos próprios olhos. Engolido pelas nuvens escuras o aparelho percorreu os céus da cidade. As pessoas nas ruas olhavam mal humoradas para o céu, sem saber que algo bem próximo de ocultava. Orfanik ligou o captador de cristal e começou a absorver energia das nuvens, absorvido pelos pensamentos: | – Os cientistas são todos uns tolos! Acreditam que as nuvens acumulam apenas eletricidade estática, mas o sol as carrega de energia orgônica. Os cristais faiscavam e brilhavam, absorvendo energia. Essa energia que outros chamam de chi, prana ou vril; mas nosso doutor prefere a terminologia de Wilhelm Reich: orgônio. Essa energia pode, em pequenas quantidades, ser usada para cura ou para destruição. Vários inimigos enfrentaram os raios gerados por esse aparelho e o resultado foi algumas vezes a morte. Orfanik prefere evitar o confronto direto, por isso veio ao Brasil aonde espera que nenhum de seus inimigos o encontre.

Transilvânia, 2 de junho 2011

O Castelo Hunedoara foi atingido nessa madrugada por uma tempestade de raios.  O fenômeno meteorológico foi atípico, pois apesar das pesadas nuvens não havia chuva.  A ala norte sofreu danos severos.  No momento do acidente estavam reunidos no local membros da sociedade filantrópica “Fraternidade do Templo da Rocha Negra”.  Duas pessoas morreram e cinco ficaram gravemente feridas.  A polícia negou envolvimento de um misterioso dirigível que foi visto nas imediações no momento do acidente.  Nas palavras do comissário: ”Dirigível? Que dirigível?”.

Minha Jornada

Os homens da ciência são tolos, para eles tudo se explica pela matéria.  Os místicos são outra espécie de tolos, para quem tudo no mundo material é resultado do mundo espiritual.  Meus antigos irmãos da Fraternidade do Templo da Rocha Negra me ridicularizaram pelos meus estudos sobre a Tábua de Esmeralda.  Quando um raio mortal destruiu o castelo nas montanhas da Carpatia onde ficava aloja da Fraternidade, tenho certeza que eles não acharam engraçado.
A ponte entre a ciência e o conhecimento místico existe, e estou cada vez mais próximo de encontrá-la.  É surpreendente que essa jornada tenha me trazido ao Brasil.  Aqui, no novo mundo, eu irei desenvolver minhas idéias integralmente, longe da malta ignorante .